[92]

Uma paranoia: Tudo é uma farsa. Assim que eu saio de onde estou, as pessoas tiram a cabeça como um capacete, dão um longo suspiro e acendem um cigarro.

[91]

Você não tem certeza. Você não tem nada. Na verdade te falta algo: a dúvida.

[34b]

O sapo dispara a língua. Capturou o vaga-lume? Capturou. Não capturou. Capturou. Não capturou.

[88c]

A miúda cutucando a mãe: "Essas pessoas que eu desenho, quem são elas?"

[88b]

Guia de literatura espírita – 1001 livros para ler antes e/ou depois de morrer.

[89]

Escrever é um exorcismo. Ora, então porque esses demônios, em vez de descer, parece que sobem pela caneta?

[88]

modernidade, s.f., velha de cabelos pintados lendo, em pé no ônibus, um livro sobre física quântica e kardecismo.

[87]

Sem corpo, o enterro é diário. Da única muda de roupa  ao fundo dos pulmões da mãe.

[86]

Quando finalmente o sono bate, eis que os sabiás anunciam a alvorada. Meu maior desejo? Uma metralhadora de chumbinho.

[85]

No abraça-abraça do "Paz de Cristo", Zequinha já com o falo em riste.

[84]

O desvalido rememora, saudoso, as Jornadas de Junho – nunca vendeu tanta água.

[83]

Os seios, eretas pirâmides de Quéops e Quéfren. Miquerinos? Mais ereto ainda, meu caro, bem ali, velado sob a calcinha de renda.

[80]

Quando certa manhã acordou de sonhos inquietos, o insetão viu-se no esgoto metamorfoseado num minúsculo caixeiro viajante.

[79]

Em fuga, dá-se à correnteza. O fim, uma queda-d’água que não cai; sobe – levando-o direto para o Céu.

[77]

A sabedoria de quem busca a posição mais confortável ao sentar-se à cadeira elétrica.

[76]

Aula um de matemática fenomenológica: Um é igual a um. Um com um é dois. Três mais 4 mais 5 + 6 + 7..., aí a soma já é zero.

[75]

Chamar-se livre-pensador é, fundamentalmente, acreditar que um papel azul sobre uma mesa azul é transparente.

[74]

Luiz Paulo ali à estante; lá tão lindos os livros não lidos.
Pousado na poltrona, perscruta puto o compêndio porco de parca filosofia.

[73]

Começando os estouros, o estouro final. As lágrimas do suicida refletem os lindos fogos de ano novo.

[72]

José sua as últimas flexões. No ipod, The Best of J. S. Bach. No chão, aberto no rumo do rosto, Introdução à Filosofia.

[71]

José, fones no ouvido, distrai-se ali no supino com o segundo mp3 dos sonetos de Shakespeare.

[70]

Enquanto só sei que é Dia por não ser mais Noite, amo o Sol. Desprezo-o quando já posso vê-lo, e examinando-o machuco os Olhos.

[69]

Toda civilização, uma máquina de felicidade. Cada presente, uma interdição para manutenção eterna.

[68]

Sempre me divirto quando o Sol, acordando, dá com a Lua ainda a pino, um olhão semicerrado de sereníssima indiferença.

[67]

O machado cego abre a nuca do larápio – uma, duas, três e ainda não. Cada golpe, uma camada de vermelho sobre o rosto da justiça.

[66]

Passeio de sempre pela Biblioteca. Saindo, a Terra é a mesma; o Sol fugiu mais um pouco.

[63]

Se há um muro entre os sábios e os tolos, esse muro não pode ser senão um espelho.

[62]

O simulacro material de William Blake pinta, óleo sobre tela, sua Realidade.

[61]

Entre uma e outra revista de celebridades, aguardo a minha vez neste insípido e higiênico consultório da Morte.

[60]

Enrolada em faixas de papiro escrito, a Múmia Viva geme tédio e ignorância em decassílabos heroicos.

[59]

A professora finalmente em casa. Ao deitar-se na cama; o bilhete suicida. Lendo entre lágrimas, corrige em vermelho as vírgulas faltantes.

[A professora finalmente em casa. Na cama do casal, a nota do suicida. Lendo entre lágrimas, corrige em vermelho as vírgulas faltantes.]

[58]

Nas entranhas defumadas da selva de pedras, José declama com a buzina o seu lirismo mais sincero.

[57]

Tantos os verbos conjugados em seu bilhete final. E a morte? A morte não, simplesmente não.

[56]

A melancolia de Jano – Ontem sou feliz. Amanhã sou feliz. Triste sorte estar sempre hoje.

[55]

O último dos pensamentos insones: que fim terão os outros tantos?

[54]

O amante forasteiro sorri com o cigarro entre os dentes: "E não sou eu, Mariinha, teu leão da selva de pedras?"

[53]

Fim de expediente, vazio de expectativas. Ao desligar o ar condicionado, um silêncio tumular. Quem jaz neste caixão? Ninguém em especial.

[52]

O beduíno mendiga pelas ruas de Argel. Sombras na calçada vão como as areias de sua infância. Nas rugas dos olhos, oásis plenos de saudade.

[51]

O acadêmico devorador de linhas. Solta um livro já com outro na mão. A estante, um cemitério de letras. Superará o intelecto de uma traça?

[50]

Papai rezando frente à imagem. O menino espreita pela porta: "Por que, Dona Luzia, não dá logo ao papai os olhos da bandejinha?"

[49]

As revolucionárias lâmpadas de Swan e Edison iluminando, ali, o antro dos crackeiros.

[48]

O suicida soprando o bolo: que não haja um próximo.

[47]

No toilette da solenidade – seu Fernando em terno e gravata patinando em mijo e golfada.

[46]

Sabe mais o verso delirante que mil volumes de lucidez enciclopédica.

[45]

Camões  Co'a vista destra, a Vista adestra.

[44]

Crave teu bico, ó Ave,
nas tripas de Prometeu!
Qualquer castigo é suave
ao que nos roubou o breu.

[42]

Enquanto Zenão enunciava seu paradoxo, as flechas, sem entendê-lo, insistiam em furar soldados nas Guerras Médicas.

[40]

Ana brigando com meu ouvido. Eu, a indiferença de um surdo na Torre de Babel.

[39]

E o condor voltou à noite; e eis, arrancada, a pepita de prata em seu bico; e conheceu Pizarro que as almas haviam minguado de sobre a terra. [gn 8:11]

[38]

José lendo Joyce: moca um globo de muco no vão do sofá de veludo.

[37]

Zequinha rachando aquele ovo inquieto: Nasce o pintinho. Morre Deus.

[36]

E o jesuíta cego morreu chamando Lança de Longino a flecha tupinambá no peito.

[35]

José, o arauto do mundo melhor. Já chega abrindo a boca. Melhor fosse um crocodilo.

[34a]

Lá vem a viuva. O padre fecha a batina. Meu Deus, menino! Qual é mesmo o nome do defunto?

[33]

O prodígio voltando do mestrado no Rio. Visitar papai na roça. O caduco fareja o intruso e corre a mão na pica-pau: Tomar minha terra? BANG!

[32]

Que vai ser de mamãe? O soluço não passa. Não há respeito com a viúva. Enquanto chora, riem pela cidade: "o barbeiro que morreu de chagas!"

[31]

E o José? Vinte anos de defesa pessoal, vê se pode. Nunca ouviu falar em tiro? Anda protegido como um camaleão daltônico.

[30]

O bebê haha do tuctuc da chuva, do vumvum dos carros, do splash splash das poças, do ronc ronc do pai. Haha até do bipbip antes do crash.

[29]

Demitido, saio e bato o 147. Em casa, dou com os dois na cama. Saco o 38, erro as seis. Quatro me surram até a cela. Daí sou currado por três.

[28]

Zequinha chorando: a estrela capturada à noite amanheceu um insetinho.

[27]

Procura-se José, 14 anos, filho do livreiro, veste terno, desgaste na ombreira, bom estado de conservação, levemente amarelado pelo tempo.

[26]

Uma pra inferior. Portão oito, pode ser. Cinquenta pila? Misericórdia. Pobre paga meia?

[25]

Correu pra biblioteca pública. Não sabe ler, mas é que chove. Sem-teto, ele? Seu teto é o céu. Mora ali, ora, no melhor banco da Praça.

[24]

O violão comprado com o dinheiro do piano acabou virando uma flauta doce.

[23]

A cigarra explode no Jacarandá. José coçando a orelha com o revolver. No tambor, quatro balas. A última lágrima salga o solo. Três.

[22]

"Mas já?" Orra, essa coxa. Ai, a rendinha. E os peitinhos, hein. Os peitinhos! Branquinha branquinha. Você segurou? Nem eu.

[21]

Queria morrer dormindo. Mas o médico, como Hipócrates, jurou injetar-lhe insônia 100 µg/dia.

[20]

AI! A mãe entrou acendendo a luz: CACHORRO! O pai, punhal em riste, rasgou o sossego que restava em casa. A filha preferiria não ter gritado.

[19]

Catedrático devotado, engajou-se cinquenta anos na apologia do niilismo.

[18]

Sorriso janelinha expondo a língua-lixa. Bigode preto desmentindo a cabeça loira. Mas por esse preço? "Só dezinho que você é bonitinho."

[17]

O médico ajusta a luva: "Tranquilo. Não tem mistério". Não tem mesmo. Nesta semana, é a terceira vez que Carlos vai verificar a próstata.

[16]

Terno italiano sob medida, cabelo brilhantinado, pingente com foto da ex e um Windsor quase tão teso quanto o nó de forca que o pendura ali.

[15]

Morreu vô João. Coitado, tão bonzinho. A família debulha-se em prantos: "Deixou tudo pra igreja..."

[14]

- Já vai, amor? - lamenta o cabeça branca.
A peladona fecha as cortinas sem nem notar a despedida.

[13]

Toda a força de seus sete aninhos pra puxa o trem. CRACK! Volta direto na vista. Primeira preocupação do cegueta: explicar pro pai o bodoque estropiado.

[12]

Cansada, deita na cama. A gatinha mia cada vez mais alto. Irada, apanha a bichana. O último miau vai do nono ao pilotis.

[11]

Se cozinha? Ô! Faz macarrão, arroz, feijão; frita ovo e passa um bife de prima! Tá bom ou mais? E o rapaz só tem dois meses de divórcio.

[10]

Da janela, o piá solta a borracha. Mira perfeita com um olho só. O feijãozinho no peito da pomba. Não morreu. Vai sofrer por quinze andares.

[09]

- E soube da pior? - Perguntou Carlos.
- Ouvi, chapa. O câncer da Glorinha. Que tragédia.
- ...
Carlos não sabia. Ia comentar do Flamengo.

[08]

João, a esposa e Pedrinho explodem contra as 7t do Volks. Zé acha as ruínas. Material pra dar, vender e fazer bodoque com a câmara dos pneus.

[07]

Em vez de amassar a lata e jogar no saco, não. O bicho-homem me enfia a língua no trem querendo cerveja. Bebeu foi sangue!

[06]

Piá novo? perguntou. Pois sim, respondeu. Menino? duvidou. Pois sim, confirmou. Pe. Lúcio sorriu com o cérebro, sem deixar passar pra boca.

[05]

Ana atravessando a rua: BAM! É uma história atrás da outra. Pálio perdeu a entrevista. Corola descolou a córnea. E aí? Vai culpar a morta?

[04]

Ninguém na rua. Se o cachorro caramelo late, ele faz barulho?

[03]

Chega no apê. E chega que horas? Bêbado, naturalmente. A mulher de butuca: Então é assim, cachorro? Filhos pra um, contas pro outro. Empatou.

[02]

6/8/1945: Enola Gay, Japão, solta a rosa em Hiroshima. Mesma data: Zequinha, Caxambu, sapeca um vaga-lume na bodocada. Um a um. Segue o jogo.

[01]

"Só se me der total!" O professor sorriu faceiro. Tão pequena, tão pidona.