Microcontinhos
[89]
Escrever é um exorcismo. Ora, então porque esses demônios, em vez de descer, parece que sobem pela caneta?
[88]
modernidade, s.f., velha de cabelos pintados lendo, em pé no ônibus, um livro sobre física quântica e kardecismo.
[86]
Quando finalmente o sono bate, eis que os sabiás anunciam a alvorada. Meu maior desejo? Uma metralhadora de chumbinho.
[83]
Os seios, eretas pirâmides de Quéops e Quéfren. Miquerinos? Mais ereto ainda, meu caro, bem ali, velado sob a calcinha de renda.
[80]
Quando certa manhã acordou de sonhos inquietos, o insetão viu-se no esgoto metamorfoseado num minúsculo caixeiro viajante.
[79]
Em fuga, dá-se à correnteza. O fim, uma queda-d’água que não cai; sobe – levando-o direto para o Céu.
[76]
Aula um de matemática fenomenológica: Um é igual a um. Um com um é dois. Três mais 4 mais 5 + 6 + 7..., aí a soma já é zero.
[75]
Chamar-se livre-pensador é, fundamentalmente, acreditar que um papel azul sobre uma mesa azul é transparente.
[74]
Luiz Paulo ali à estante; lá tão lindos os livros não lidos.
Pousado na poltrona, perscruta puto o compêndio porco de parca filosofia.
Pousado na poltrona, perscruta puto o compêndio porco de parca filosofia.
[73]
Começando os estouros, o estouro final. As lágrimas do suicida refletem os lindos fogos de ano novo.
[72]
José sua as últimas flexões. No ipod, The Best of J. S. Bach. No chão, aberto no rumo do rosto, Introdução à Filosofia.
[70]
Enquanto só sei que é Dia por não ser mais Noite, amo o Sol. Desprezo-o quando já posso vê-lo, e examinando-o machuco os Olhos.
[69]
Toda civilização, uma máquina de felicidade. Cada presente, uma interdição para manutenção eterna.
[68]
Sempre me divirto quando o Sol, acordando, dá com a Lua ainda a pino, um olhão semicerrado de sereníssima indiferença.
[67]
O machado cego abre a nuca do larápio – uma, duas, três e ainda não. Cada golpe, uma camada de vermelho sobre o rosto da justiça.
[61]
Entre uma e outra revista de celebridades, aguardo a minha vez neste insípido e higiênico consultório da Morte.
[60]
Enrolada em faixas de papiro escrito, a Múmia Viva geme tédio e ignorância em decassílabos heroicos.
[59]
A professora finalmente em casa. Ao deitar-se na cama; o bilhete suicida. Lendo entre lágrimas, corrige em vermelho as vírgulas faltantes.
[A professora finalmente em casa. Na cama do casal, a nota do suicida. Lendo entre lágrimas, corrige em vermelho as vírgulas faltantes.]
[A professora finalmente em casa. Na cama do casal, a nota do suicida. Lendo entre lágrimas, corrige em vermelho as vírgulas faltantes.]
[58]
Nas entranhas defumadas da selva de pedras, José declama com a buzina o seu lirismo mais sincero.
[54]
O amante forasteiro sorri com o cigarro entre os dentes: "E não sou eu, Mariinha, teu leão da selva de pedras?"
[53]
Fim de expediente, vazio de expectativas. Ao desligar o ar condicionado, um silêncio tumular. Quem jaz neste caixão? Ninguém em especial.
[52]
O beduíno mendiga pelas ruas de Argel. Sombras na calçada vão como as areias de sua infância. Nas rugas dos olhos, oásis plenos de saudade.
[51]
O acadêmico devorador de linhas. Solta um livro já com outro na mão. A estante, um cemitério de letras. Superará o intelecto de uma traça?
[50]
Papai rezando frente à imagem. O menino espreita pela porta: "Por que, Dona Luzia, não dá logo ao papai os olhos da bandejinha?"
[42]
Enquanto Zenão enunciava seu paradoxo, as flechas, sem entendê-lo, insistiam em furar soldados nas Guerras Médicas.
[39]
E o condor voltou à noite; e eis, arrancada, a pepita de prata em seu bico; e conheceu Pizarro que as almas haviam minguado de sobre a terra. [gn 8:11]
[33]
O prodígio voltando do mestrado no Rio. Visitar papai na roça. O caduco fareja o intruso e corre a mão na pica-pau: Tomar minha terra? BANG!
[32]
Que vai ser de mamãe? O soluço não passa. Não há respeito com a viúva. Enquanto chora, riem pela cidade: "o barbeiro que morreu de chagas!"
[31]
E o José? Vinte anos de defesa pessoal, vê se pode. Nunca ouviu falar em tiro? Anda protegido como um camaleão daltônico.
[30]
O bebê haha do tuctuc da chuva, do vumvum dos carros, do splash splash das poças, do ronc ronc do pai. Haha até do bipbip antes do crash.
[29]
Demitido, saio e bato o 147. Em casa, dou com os dois na cama. Saco o 38, erro as seis. Quatro me surram até a cela. Daí sou currado por três.
[27]
Procura-se José, 14 anos, filho do livreiro, veste terno, desgaste na ombreira, bom estado de conservação, levemente amarelado pelo tempo.
[25]
Correu pra biblioteca pública. Não sabe ler, mas é que chove. Sem-teto, ele? Seu teto é o céu. Mora ali, ora, no melhor banco da Praça.
[23]
A cigarra explode no Jacarandá. José coçando a orelha com o revolver. No tambor, quatro balas. A última lágrima salga o solo. Três.
[22]
"Mas já?" Orra, essa coxa. Ai, a rendinha. E os peitinhos, hein. Os peitinhos! Branquinha branquinha. Você segurou? Nem eu.
[20]
AI! A mãe entrou acendendo a luz: CACHORRO! O pai, punhal em riste, rasgou o sossego que restava em casa. A filha preferiria não ter gritado.
[18]
Sorriso janelinha expondo a língua-lixa. Bigode preto desmentindo a cabeça loira. Mas por esse preço? "Só dezinho que você é bonitinho."
[17]
O médico ajusta a luva: "Tranquilo. Não tem mistério". Não tem mesmo. Nesta semana, é a terceira vez que Carlos vai verificar a próstata.
[16]
Terno italiano sob medida, cabelo brilhantinado, pingente com foto da ex e um Windsor quase tão teso quanto o nó de forca que o pendura ali.
[15]
Morreu vô João. Coitado, tão bonzinho. A família debulha-se em prantos: "Deixou tudo pra igreja..."
[14]
- Já vai, amor? - lamenta o cabeça branca.
A peladona fecha as cortinas sem nem notar a despedida.
A peladona fecha as cortinas sem nem notar a despedida.
[13]
Toda a força de seus sete aninhos pra puxa o trem. CRACK! Volta direto na vista. Primeira preocupação do cegueta: explicar pro pai o bodoque estropiado.
[12]
Cansada, deita na cama. A gatinha mia cada vez mais alto. Irada, apanha a bichana. O último miau vai do nono ao pilotis.
[11]
Se cozinha? Ô! Faz macarrão, arroz, feijão; frita ovo e passa um bife de prima! Tá bom ou mais? E o rapaz só tem dois meses de divórcio.
[10]
Da janela, o piá solta a borracha. Mira perfeita com um olho só. O feijãozinho no peito da pomba. Não morreu. Vai sofrer por quinze andares.
[09]
- E soube da pior? - Perguntou Carlos.
- Ouvi, chapa. O câncer da Glorinha. Que tragédia.
- ...
Carlos não sabia. Ia comentar do Flamengo.
- Ouvi, chapa. O câncer da Glorinha. Que tragédia.
- ...
Carlos não sabia. Ia comentar do Flamengo.
[08]
João, a esposa e Pedrinho explodem contra as 7t do Volks. Zé acha as ruínas. Material pra dar, vender e fazer bodoque com a câmara dos pneus.
[07]
Em vez de amassar a lata e jogar no saco, não. O bicho-homem me enfia a língua no trem querendo cerveja. Bebeu foi sangue!
[06]
Piá novo? perguntou. Pois sim, respondeu. Menino? duvidou. Pois sim, confirmou. Pe. Lúcio sorriu com o cérebro, sem deixar passar pra boca.
[05]
Ana atravessando a rua: BAM! É uma história atrás da outra. Pálio perdeu a entrevista. Corola descolou a córnea. E aí? Vai culpar a morta?
[03]
Chega no apê. E chega que horas? Bêbado, naturalmente. A mulher de butuca: Então é assim, cachorro? Filhos pra um, contas pro outro. Empatou.
[02]
6/8/1945: Enola Gay, Japão, solta a rosa em Hiroshima. Mesma data: Zequinha, Caxambu, sapeca um vaga-lume na bodocada. Um a um. Segue o jogo.
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